quarta-feira, 21 de julho de 2010

Eterna estrangeira

Depois de algumas semanas consegui, por fim, terminar de ler a biografia Clarice, de Benjamim Moser. A demora não foi por dificuldades com o livro, muito pelo contrário, o meu problema é uma mania incontrolável de ler mais de uma narrativa ao mesmo tempo! Bom, explicações apresentadas, posso dizer que o livro é muito bom, mesmo. Moser reconstruiu o passado da escritora, desde suas raízes ucrânianas, os terríveis progroms (ataques) que aconteciam na época do seu nascimento, até a infância no Recife, a juventude no Rio de Janeiro, a vida de esposa de diplomata, a maternidade e a sua volta ao Brasil.

A narrativa é sempre contextualizada em momentos históricos, que explicam das questões sociais e políticas de cada fase da vida da escritora Clarice Lispector. Além disso, nas quase 600 páginas da biografia, a descrição de sua obra é feita de maneira minuciosa, com a preocupação de relacionar as histórias e personagens, de Joana a Macabéa.

Da mulher que sempre se falou ser hermética, eterna estrangeira – embora esse estrangeirismo não fosse pelo seu nascimento - , monstro sagrado, descobre-se um lado tímido e reservado, que despertava em muitos um sentimento maternal. Era cuidada por amigos próximos, como não pudera ser pela mãe doente que morreu quando Clarice ainda era uma menina.

No último capítulo, Moser descreve uma entrevista concedida por Clarice em 1977, ano da sua morte, ao jornalista Julio Lerner. Nela, a escritora revela que desde a infância já fabulava, mas diz que nunca se considerou uma profissional na arte literária. "Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora. (...) pra manter a minha liberdade."

Na ocasião, Clarice também fala da sua última produção, A hora da estrela, até então não publicado. Segundo ela, o romance conta a história "de uma moça tão pobre que só comia cachorro quente, de uma inocência pisada, de uma miséria anônima".

Sempre séria, Clarice fuma durante quase toda a entrevista. A mão deformada pelo fogo acidental que tomou seu quarto anos antes é visível. Sua fala, considerada por muitos estranha e com sotaque (na verdade apenas consequência de língua presa), perde a atenção para a tristeza com que a escritora se expressa. "Estou cansada de mim mesma", diz ela.

O jornalista questiona se ela se ela não vai renascer e se renovar com um novo trabalho - como ela havia mencionado que acontece -. A resposta de Clarice encerra a conversa: "Bom, agora eu morri, vamos ver se eu renasço de novo, por enquanto eu estou morta. Estou falando do meu túmulo."

Eu ainda poderia voltar atrás em retorno aos minutos e recomeçar com alegria no ponto em que Macabéa estava de pé na calçada – mas não depende de mim dizer que o homem alourado e estrangeiro a olhasse. É que fui longe demais e já não posso mais retroceder.” Trecho de A hora da estrela citado em Clarice.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

30 anos sem o poeta

Valsinha
Vinicius de Moraes / Chico Buarque

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vízinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz