quinta-feira, 29 de abril de 2010

Délibáb


Como é linda a liberdade/ sobre o lombo do cavalo/ e ouvir o canto do galo/ anunciando a madrugada/ dormir na beira da estrada/ num sono largo e sereno/ e ver que o mundo é pequeno/ e que a vida não vale nada.” João da Cunha Vargas

Foi numa tarde cinzenta, fria e chuvosa deste início de inverno que meu irmão chegou com o novo disco do Vitor Ramil. “Olha, comprei pra ti”,me disse ele. Talvez nem o fosse, mas como estava doente, acabou sendo. A palavra que Ramil escolheu para dar nome ao álbum, Délibáb (déli: do sul + de bába: ilusão) é húngara e significa miragem. Ela foi retirada, “não por a caso”, do seu romance Satolep (2008). Neste disco, ele registra em voz e dois violões, poemas do argentino Jorge Luís Borges e do gaúcho José da Cunha Vargas musicados por Vítor Ramil. Onze, das 12 faixas, são acompanhados pelo violonista Carlos Moscardini. As músicas não são novidade, já que muitas (não tenho certeza se todas) estiveram noutros CDs e também em shows. “Borges escreveu sobre o gaúcho e a poesia gauchesca. Vargas foi o próprio gaúcho e elaborou seus poemas”, explica o cantor no documentário que compõe o trabalho e traz imagens da gravação e mixagem de Délibab em Buenos Aires, em junho de 2009, e também mostra andanças do cantor pela cidade de Borges e pela Alegrete de João da Cunha Vargas. Um dos motivos, segundo Ramil, que o levaram a escolher a capital portenha para a produção do disco foi porque Borges acreditava que a verdadeira música de Buenos Aires é a milonga.

Sempre achei a voz de Vitor Ramil uma das mais bonitas, senão a mais. Ela tem uma sonoridade aveludada, se é que isso é possível, quase como um chimarrão tomado numa tarde fria de inverno, acolhe. A decisão por usar voz e violão neste trabalho pode parecer simplista, mas o resultado é um som sofisticado e bem estudado, como se pode observar no trabalho em estúdio e em depoimentos mostrados no DVD. O nome tem tudo a ver com o disco, mas isso não dá pra contar, só ouvindo. “Como não ficar maravilhado diante daquela ilusão do sul, ainda que seja só um délibáb.” Vitor Ramil

sábado, 24 de abril de 2010

Depois de Hollywood e Bollywood, é a vez del Cine Argentino


Embora não muito divulgado (fora do circuito América Latina e Espanha), o cinema produzido pela Argentina tem crescido prodigiosamente. O Oscar de Melhor Filme Estrangeiro concedido este ano ao emocionante “El secreto de sus ojos”, de Juan José Campanella, não foi surpresa. Alheios à insistente comparação com o cinema brasileiro - feita por muitos críticos -, as películas produzidas pelo país vizinho melhoram a cada ano não só nos quesitos técnicos, mas também nas escolhas das histórias.

No caso desse último filme premiado, o diretor repete a parceria com o ator Ricardo Darín. Os dois haviam trabalhado juntos em “El hijo de la novia”, também indicado ao Oscar de 2001, “Luna de Avellaneda”, 2004 e em “El mismo amor, la misma lluva”, 1999, em que Darín fez par com Soledad Villamil , atriz com quem contracena em “El secreto”.

O roteiro de “El secreto de sus ojos” traz a história de um recém aposentado que procura preencher seu novo tempo ocioso ao escrever um livro. O tema que Benjamim Espósito escolheu para estrear nas artes literárias é caso judicial no qual trabalhou na década de 70: uma jovem violentada e morta em casa. A essa lembrança juntam-se outras que fizeram parte da sua vida, como a de um amor mal resolvido, de uma amizade perdida e de um marido desolado.

Passados 25 anos, parece que tudo aquilo aconteceu noutra vida, guardado num passado distante. Entretanto, ao mexer em lembranças, até então adormecidas, Espósito se dá conta de que de a vida é a mesma e continua a correr. De repente, é preciso lidar com uma investigação a ser concluída, uma história a ser contada, sentimentos confusos que afloram e, dessa vez, nada pode ser ignorado.

Quanto tempo pode durar um amor? Ou, quantas vezes somos desmentidos pelos nossos olhos? Quantas vezes nossos segredos são revelados, sem que possamos controlar, através de um olhar? São sutilezas desse tipo que o filme, que é baseado no romance homônimo de Eduardo Sacheri, nos leva a refletir. “El secreto” também recebeu o Goya, premiação anual do cinema espanhol, de melhor filme hispanoamericano e atriz revelação para Soledad Villamil.

A película é a segunda a dar o Oscar de filme estrangeiro ao país. O primeiro foi “La história oficial”, de Luis Puenzo em 1986. Em entrevista concedida depois da premiação, em Buenos Aires, o protagonista Ricardo Darín afirmou que os concorrentes eram excelentes, entretanto, o que os diferenciou dos demais foi o humor. E, de fato, surpreende essa aparente vocação dos argentinos para fazer rir. Filmes como “Tiempo de Valientes”, 2005, “Nueve Reinas”, 2000 (que agradou tanto a ponto de receber uma versão hollywoodiana), “Cleopatra,” 2003, e “Valentim,” 2003 (isso para citar apenas os que assisti), tem em comum uma boa história, envolvente e regadas com um humor leve que acompanham a narrativa.

No portal oficial do país (www.cine.ar) é possível acessar um concurso que está elegendo os 10 filmes representativos do centenário do cinema argentino (1909-2009). Em primeiro lugar está o “Nueve Reinas”, de Fabián Bielinsky e estrelado também por Ricardo Darín, sem dúvida, o principal ator do cinema contemporâneo produzido pelo país. Em 2004 o filme recebeu um remake americano, “Criminal” dirigido por Gregory Jacobs e teve a participação do mexicano Diego Luna no papel de suposto aprendiz de golpista. Especulações à parte, é fato que o original sempre supera a cópia. Para votar na seleção basta fazer cadastro no site.

Março de 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A cartomante

Não, esse não é o conto do Machado de Assis, essa história é minha. Fui pela primeira vez a uma cartomante hoje. Passei a tarde toda pensando na Macabéa, de A Hora da estrela, foi inevitável. Eu estava numa ansiedade, o que será que ela ia me dizer? Quais seriam as previsões, boas ou más? Meu único desejo era não ter o final trágico das personagens de Machado de Assis e Clarice Lispector! Também não pude ignorar a novela das oito, imagina, previram um acidente e a guria ficou tetraplégica! Mesmo se tratando de ficção, assusta qualquer um. Bom, chegou a hora marcada. Era uma casa humilde, muito bem arrumada e asseada. Nas paredes e sobre os móveis havia muitos quadros e porta-retratos com fotos, todas dela. Me permiti fazer alguma adivinhações também, ela certamente não tinha filhos, mas isso não a fizera menos feliz. Aparecia sempre sorrindo. Sentei pra esperar a minha vez e meus pensamentos não paravam. Fazia um calor insuportável no segundo dia de verão. Será que ela também pode ler o que pensamentos? Tentei, então, parar de pensar, peguei uma revista e comecei a olhar figuras. De repente, me chamaram. Era uma sala pequena e escaldante. “Desculpa, é que não posso ter ventilador por causa das velas”, justificou-se. De fato, havia muitas velas acesas, todas no chão ao lado de santos e orixás. “Qual o teu primeiro nome”, perguntou, respondi. “Corta o baralho em três montes”, pediu. Me senti numa cena de cinema ou de novela mesmo. Ela nem precisava ter dito, eu já sabia o que fazer: sempre se corta o baralho em três montes iguais. Ela começou a virar e interpretar as cartas. Não vou entrar em detalhes sobre o que me foi dito, até porque, ela acertou (acredite se quiser) algumas coisas do passado. O que mais me interessava era o futuro, óbvio, mas o fato de alguém citar alguma coisa que já me aconteceu, deu medo. Crenças e crendices a parte, é impossível não se deixar levar pela curiosidade e por toda a atmosfera mística que envolve esses cenários. Foi uma experiência no mínimo interessante, saí de lá com um misto de euforia e decepção. Euforia porque, claro, é sempre bom acreditar em boas previsões, mas segue a incerteza, inerente a vida, sobre o que vem. Provavelmente foram apenas palavras que, como todas – boas e más -, perdem a força com o passar dos anos. Uma das primeiras cartas dizia que tenho a proteção das estrelas. Quero acreditar que pelo menos essa seja verdadeira.

Ps: Acreditando ou não, passei uma semana sem atravessar ruas.

Dezembro de 2009

terça-feira, 20 de abril de 2010

The Notebook


O melhor romance da década. Eu não vejo muitos romances, o meu forte é drama, mas esse me fez parar pra assistir, o que foi um bom sinal. A primeira vez foi em 2006, quando estava em Vancouver. As pessoas já o conheciam (o filme é de 2004), mas pra mim era novidade. Escrevo agora porque em mais uma noite insone, liguei a televisão e estava dando o filme que conta a história de Allie e Noah. Parei pra ver, pela décima quinta vez, provavelmente. O casal ajuda bastante, Ryan Gosling – que fez aquele filme com o Anthony Hopkins, “Um crime de mestre” – e Rachel McAdams, a nova namoradinha de Hollywood. “Just picture your life, 30 years from now.” O exercício é bom, nem que seja pra pensar um pouco na vida...

*No Brasil o nome do filme é Diário de uma paixão, meio brega, não?!

domingo, 18 de abril de 2010

Chico Forever!

O Chico letrista sempre me agradou mais que o Chico escritor. Até o mês passado, quando li “Leite derramado”. Nada mais natural, uma mente capaz de criar “Trocando em miúdos”, “Apesar de você”, “Folhetim”, “Geni e o zepelim”, escrever um belo romance. Não que os anteriores (Estorvo, Benjamim e Budapeste) não fossem bons, mas nenhum deles despertou em mim o mesmo interesse que a história da família Assumpção. Enquanto lia, não pude evitar a lembrança dos Buendía, de “Cem Anos de Solidão”, de Garcia Marquez. Talvez pelas duas narrativas estarem centradas em universos famíliares, de pessoas solitárias e com repetição de nomes de herdeiros. Enfim, lembranças à parte, “Leite derramado” é narrado por um senhor, num leito de hospital, e é dalí ele conta a saga de sua (outrora) importante e (há muito) decadente família. Embora a memória do narrador se permita alguns devaneios e idas e vindas no tempo, Eulálio d´Assumpção conta dos ancestrais portugueses ao tataraneto mulato num texto conciso e bem articulado, o que instiga o leitor a devorar o livro o mais rápido possível.

Dias depois de ler “Leite derramado” encontrei o livro de Wagner Homem, no qual ele compilou canções composta por Chico Buarque e as histórias que dessas canções. Principalmente pra quem gosta de história, é muito divertido saber como foi feita letra e música, o que acontecia na época, se sofreu censura, etc. Um bom exemplo é “Atrás da porta”, a primeira feita em parceria com Francis Hime e a única, segundo Homem, composta na frente dos outros (já que Chico prefere compor sozinho). A música, de 1972, teve um verso modificado pela censura: “E me agarrei nos teus cabelos/Nos teus pelos” foi substituído por “E me agarrei nos teus cabelos/No teu peito”. Também foram alvo da implacável censura exercída pelo regime militar vigente no Brasil na década 70 “Cálice”, parceria com Gilberto Gil, “Partido Alto”, composta para o filme Quando o carnaval chegar, de Cacá Diegues, “Apesar de você”, que foi a princípio liberada e depois teve do discos recolhidos das lojas e tantas outras. Toquinho, que escreveu a orelha da obra, resume bem a idéia do livro: “Músicas têm histórias e é bom saber delas, principalmente das de Chico.”

Leite derramado, Chico Buarque, Companhia das Letras – São Paulo, 2009.

Histórias de canções de Chico Buarque, Wagner Homem, Leya - São Paulo, 2009.

Trocando em Miúdos: http://www.youtube.com/watch?v=hn4JyodL7K4&feature=related

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Caim, o contestador

“A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós entendemos a ele.” (SARAMAGO, José. Caim, Companhia das Letras, São Paulo, 2009,p.88)

A história é antiga, está escrita na Bíblia: Caim matou seu irmão, Abel. Seu castigo: seguir errante pelo mundo com uma marca de Deus. José Saramago reinventa a narrativa do Antigo Testamento e conta os pormenores da vida de Caim, perdido no tempo e espaço, e a quem não parece certa essa história dos desígnios de Deus serem “inescrutáveis”. O livro leva o nome do protagonista.

A minha primeira e grande descoberta foi saber que Caim e Abel eram filhos de Adão e Eva! Há quem possa me chamar de ignorante, mas a palavra é essa mesma: ignoro a maior parte da história narrada no livro sagrado dos cristãos. A segunda foi saber que Caim matou o irmão “por não poder matar o Senhor”. O livro segue uma série de acontecimentos que servem de exemplos para demonstrar toda a insatisfação do filho do casal expulso do Jardim do Éden para com o Deus criador.

Quando do lançamento do livro, muito se falou e criticou a obra e seu escritor pela sua volta aos temas religiosos. Saramago já criou muita confusão com a igreja católica quando escreveu O Evangélio segundo Jesus Cristo, e agora não seria diferente. José Saramago nasceu num dos mais conservadores e católicos dos paises, Portugal. Foi com a leitura dos seus livros que comecei a entender o porquê de muitos portugueses “torcerem o nariz” para o ilustre escritor.

Ainda quando estava em Portugal – onde morei por quase dois anos – ouvi de um colega de estágio: “ Ah, este novo livro do Saramago é como todos os outros, já sabe-se o que vai acontecer. Nem terminei de ler.” Outros presentes concordaram com o comentário. A obra em questão era A viagem do Elefante, lançado em fins de 2008. Eu me mantive calada, ainda não os conhecia e não queria criar inimizades já nos primeiros dias. Mas fiquei bastante incomodada pela maneira como se referiam ao único Nobel de Literatura em língua portuguesa.

Não conheci muitos portugueses com a vocação de contestador de Saramago. Não se trata de uma generalização ou mesmo de uma ofensa, apenas compartilho minha experiência. Talvez seja mais uma explicação para a falta de apreço por parte de muitos conterrâneos à obra do escritor. O personagem criado pelo português, Caim, parece ter muito do seu criador: inconformado, questionador, indignado, provocador. Se permitir chamar ao Deus que todos temem de injusto, ciumento e malvado e também discutir com o Senhor sobre tudo aquilo que lhe parece cruel e incompreenssível , não é para qualquer um.

Muitos críticos disseram que Saramago estava predeterminado a polemizar. Talvez estivesse. Entretanto, não acredito que isso tenha interferido na qualidade literária do texto. Apesar de parecer uma narrativa densa por tratar-se de um texto com poucos parágrafos, diálogos entre vírgulas e nomes próprios em letras minúsculas, a leitura flui tranquilamente. As descrições dos desertos e paraísos, de passagens bíblicas conhecidas do senso comum, além do característico humor requintado, se traduzem numa narrativa atual, irônica e contestadora.

31 de dezembro de 2009

quinta-feira, 15 de abril de 2010

I am back!!

Pessoas, voltei!!!

Ainda não tenho certeza se é uma volta definitiva, mas prometo que farei o possível (claro que a promessa é pra mim mesma!)!
Anyway, vou tentar postar alguns textos que produzi nos últimos meses e espero recuperar pelo menos metade dos meus dez leitores.
Para os novos adeptos, aviso que o blog não é temático. Escrevo sobre filmes, livros, coisas que gosto e não gosto, compartilho poemas, fotos, devaneios, indignações e alegrias.
Aguardo comentários.