Quem me conhece ou costuma visitar o blog, sabe que eu gostava muito do Saramago. Do seu texto, da sua postura, do seu andar calmo de quem carrega sobre os ombros todos os personagens que criou ao longo de uma vida. Nunca fui do tipo que tem muitos ídolos, que idolatra o outro, mas como resumiu uma amiga, “a relação entre leitor e escritor é muito complexa”. De certa forma, só hoje consegui ter noção disso. Não era apenas o gostar das histórias contadas, mas também a identificação com os personagens e a forma como são descritos. Ao ler seus livros, aprendi um pouco mais sobre os mistérios da vida e, como não poderia deixar de ser, me tornei uma pessoa melhor. Já contei aqui o encontro que tive com Saramago em 2008 num final de tarde em Lisboa. Meu peito se encheu de uma ansiedade misturada à euforia de vê-lo. Não fui até ele, não quis perturbar um senhor de mais de 80 anos com a minha curiosidade juvenil. Me contentei em observá-lo, de longe. Num caminhar lento, abraçado à Pilar, ele contemplava a cidade como todos que ali estavam, num dos tantos mirantes da cidade. Era mais um na multidão, não fosse pelo extraordinário talento literário sob aquele semblante de homem comum. Bom seria se a frase do título – que inicia e encerra um dos seus livros, As intermitências da morte – pudesse ser a aplicada a algumas pessoas, poucas e insubstituíveis. O mundo ficou hoje, sem dúvida, mais pobre em ironia, inteligência e boa literatura. E eu, triste e saudosa de um amigo.
“Como está escrito que não se pode ter tudo na vida, o corajoso velho deixará em seu lugar nada mais que uma família pobre e honesta que certamente não se esquecerá de lhe honrar a memória.” (As intermitências da morte, 2005, p.40)
18 de junho de 2010.