domingo, 23 de maio de 2010

Fado da saudade

Outro dia, na aula de francês, durante um exercício de conversação, a professora perguntou de onde sou, respondi: “Je suis portugaise”."Êtes-vous portugaise?”, insistiu ela, “Oui”, voltei a responder. Alguns segundos depois, consegui me corrigir,"Pardon, je suis brésilienne”. É fácil de explicar o ato falho, minha herança portuguesa não se restringe apenas ao nome, mas também num jeito de ser que permite que eu me confunda às vezes.

Lembrei disso hoje porque assisti ao filme Fados (2007), de Carlos Saura. Nele, são mostrados diversas variações do fado e como esse som, que é conhecido por ser tipicamente português, também pode se misturar a outros. Mas mesmos os fados mais alegres parecem manter aquele tom melancólico, que caracteriza a música. “Na minha velha Lisboa de outra vida/ Quem vive só do passado sem motivo/ Fica preso a um destino que o invade/ Mas na alma deste fado sempre vivo/ Cresce um canto cristalino sem idade.

Quando se toca o fado, faz-se silêncio. Pode-se estar num bar ou restaurante, não interessa o local, todo e qualquer comentário fica pra depois da apresentação. Como se aquele lamento tivesse que ser compartilhado por todos. Não basta ouvir, é preciso sentir. “O tempo vai-se passando/ E a gente vai-se iludindo/ Ora rindo/Ora chorando/ (…)Afinal o tempo fica/ A gente é que vai passando.

Já reclamei muito do mau humor dos portugueses, do quanto eles são sisudos, carrancudos e intolerantes. Talvez eu tenha herdado um pouco disso também. Mas principalmente, nasci com uma melancolia, uma tristeza no olhar que encontrei em muitos olhos dos lusitanos“Ó gente da minha terra/ Agora é que eu percebi/ Esta tristeza que trago/ Foi de vós que recebi.”

O estranho disso tudo, é o facto de que quando estava em Portugal, todos os dias encontrava alguém pra me lembrar que eu não pertencia àquele lugar. E pior, quando pensei que voltava pra casa, descobri que tampouco o Brasil me acolheria como um filho que retorna. Deve ser esse sentimento de ser eterna estrangeira que Clarice nutria. “Ai de mim se eu pudesse/ Saber o que em mim vai.

Ps: os trechos citados são de fados presentes no filme.

Um comentário:

HELENA disse...

Tem como duas pessoas se sentirem assim? Pois cá estou com este mesmo sentimento...
Ótimo post!