sábado, 14 de agosto de 2010

Que atire a primeira pedra!

A associação pode parecer estranha, mas depois de explicar pode fazer algum sentido. Ontem tive que escrever sobre casos de condenação a morte por apedrejamento que ocorrem em alguns países (poucos, ainda bem!). Acabei lembrando do documentário sobre Wilson Simonal (1939-2000), que assisti semanas atrás. Agora vem a parte da explicação: a necessidade do homem de, não apenas punir, mas que a punição seja brutal o bastante para servir de exemplo aos demais.

Não quero entrar nos pormenores das mortes provocadas por pedras (que não podem ser muito grandes pra que a morte não seja rápida) arremessadas contra uma mulher enterrada até o busto, mas vale o registro da brutalidade. Tão brutal também pode ser a “simples” exclusão de alguém do meio social em que vive. Nunca sobe muito sobre a vida do Simonal pra além daquilo que ouvia da minha mãe : um cantor que foi acusado – e condenado por todos – de colaborar com a ditadura, mas que nunca se viu prova disso.

Numa época em que quem não era engajado era considerado alienado, o cantor se viu envolvido – aparentemente muito mais por ingenuidade do que por convicção política – numa história que tem explicações controversas. Entretanto, o meio artístico, a mídia, o público, ninguém procurou entender ou desvendar o que realmente acontecera. Foi mais fácil apontar o dedo e mostrar ao mundo o que acontecia a quem fugisse aos padrões intelectual-artístico da época: seria banido.

O filme Simonal – Ninguém sabe o duro que sei (Brasil, 2009), de Claudio Manuel, Calvito Leal e Micael Langer, procura esclarecer algumas lacunas desse momento e contar sobre um artista de origem humilde que fez muito sucesso na década de 1960, a partir de depoimentos de pessoas que estiveram lá. Todos são unânimes em relação ao poder que o cantor tinha em cativar multidões, do quão competente ele era em entreter o público e divertir a massa.

No entanto, “o ritmo em que ele cantava não combinava com o discurso comunista”, afirma Chico Anysio. Havia preconceito por ele ser negro e fazer uma algo tão popular. Mas ao que me parece, a alienação não era completa, basta ouvir Tributo a Martim Luther King, música feita em homenagem ao filho, Simoninha, de quem, a propósito, gosto bastante.

A confusão começou quando ele se viu falido e acusou seu contador de tê-lo roubado. No mesmo período espalha-se uma história de que ele seria informante do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e a imprensa não tarda em julgá-lo culpado. Os entrevistados afirmam que não houve nenhum movimento de defesa, a classe não o apoiou. No documentário, o ex-contador é entrevistado e conta a sua versão, de que a vida que Simonal levava era extremamente perdulária e uma hora a fonte secou. Ele diz que apanhou de agentes do DOPS e que sua família foi ameaçada até ele assumir o desfalque. Assustada com o desaparecimento do marido, a esposa chamou a imprensa e a história começou a se espalhar.

Uma surra teria sido o problema em que Simonal se envolveu, e não delação política. Mas depois disso, houve um verdadeiro boicote a ele. Seus discos foram retirados dos catálogos das gravadoras e artistas se recusavam a cantar no mesmo lugar que ele. A partir disso, aquele que fora outrora o rei da “pilantragem”, caiu no alcoolismo e na depressão. Já no final do filme os diretores mostram imagens de Simonal, já bastante envelhecido, em programas de televisão com documentos do governo brasileiro que afirmam que ele nunca pertenceu ao serviço de informação.

O assunto virou “tabu” entre artistas, como diz Nelson Motta. Entre eles não se fala muito no assunto. Talvez por arrependimento do que fizeram ou daquilo que deixaram de fazer pelo colega. Simonal morreu aos 62 anos depois de um longo ostracismo.

Um comentário:

Fellipe disse...

Gostei do filme sobre o Simonal...realmente ele foi vítima de um ostracismo de cunho ideológico e, quem sabe, racial...
Mas dessa safra de documentários sobre grandes nomes da música brasileira eu ainda prefiro o Loki, sobre o Arnaldo Baptista!